Fiquei chocado.
Nunca, antes, eu houvera sido seduzido tão intensamente por uma voz em disco e
sentido a descontinuidade disso. No cinza Essa
Mulher, de três anos atrás, Elis havia-me chegado da forma mais intensa e
musical possível: eu “dava uma força” aos proprietários da loja de discos
local, e, como 'salário”, podia desfrutar do melhor deles: ouvia música. O DIA
INTEIRO!
Poucos anos antes
daquela silenciosa e triste noite eu havia conhecido O Bêbado e a equilibrista, a música-hino da Anistia. Afora isso,
uma letra que me agradou, devido ao bêbado, ao chapéu-coco, ao Carlitos, ao
Betinho (considerando a sua importância sem saber ainda qual!), e a Pátria, nossa
Mãe Gentil! Também a introdução me agradara. Aquele acordeom lembrando uma Caixinha da Sorte, iniciando o arranjo
de uma das melhores interpretações da nossa música brasileira.
A notícia mexeu muito comigo, e eu ficara deveras triste. Sentia que algo havia-se rompido, como,
por exemplo (e, obviamente!), a voz que se calara, para sempre! A voz mais
límpida e potente que eu já ouvi em música, recurso maior de uma artista
excepcionalmente talentosa.
Logo depois, e
crescendo intelectualmente, eu fui conhecendo quem havia sido Elis Regina. No
disco. A cada um, uma surpresa. Uma interpretação melhor que a outra. Novidades
de tempos de outrora. Tanto me agradava aquela que se inspirava na Ângela Maria
quanto a que, com orquídea no cabelo, me remetia à Billie Holiday, lady sings the blues.
No início dos anos 90
um amigo me apresentou e eu ouvi o segundo disco da cantora, intitulado Poema de Amor, um álbum gravado cinco
anos antes de eu vir ao mundo. Poema,
a música que abre o disco, era puro lirismo. (Também havia nisso o sentimento
resguardado a V. V. G., o amigo, o
Ritmo e o Blues). E eu me deliciava com simples canções, bolerões
dramáticos; perfeitos álibis para a degustação de bons drinques e tragos.
Num certo momento de
minha vida eu já havia conhecido boa parte da obra dessa artista ímpar. Até que
emprestei de um amigo o livro Furacão
Elis, lançado no ano de 1985. Mergulhei na leitura das muitas e
sensacionais histórias acerca da nossa maior cantora, contadas pela Regina
Echeverria e seus depoentes.
30 anos depois da sua
morte (e numas de saudade, sempre), no meu aniversário mais recente eu voltei a
me emocionar, quando ganhei de dois queridos amigos um exemplar do relançamento
do livro da Regina e, mais uma vez (e com mais entendimento – inclusive
musical!), eu li sobre o que foi a mãe do João, do Pedro e da Maria.
Outra vez me deliciei
com as muitas e incríveis histórias da gigante gauchinha. Só lendo para ter a
dimensão do que isso vem a ser. Foi como se eu lesse ouvindo música. A dela.
Aquilo que ela sabia fazer de melhor, junto aos seus companheiros musicais:
compositores e/ou músicos. Fosse na sua participação no Festival de Jazz de Montreux, acompanhada por Hermeto Pascoal, ou
no show de estrondoso sucesso, Falso
Brilhante. Ao término da leitura, fui ver imagens e ouvir canções da
artista, só para que pudesse (como se precisasse) confirmar a minha opinião: a
grande cantora do Brasil – com voz de outro mundo! – permanecerá no topo do que
se diz de melhor nesse sentido. A autora nos contou a sua história e, na
apresentação do trabalho, pediu que lhe contássemos outras.
Esta é a minha.
Simples, assim. Registro de fã. Não se pode falar mais do que já foi falado.
Pode-se, sim!, sentir além do que já se foi sentido.
E fico pensando:
“Ah,
como essa coisa é tão bonita
Ser
cantora, ser artista
Isso
tudo é muito bom”
(Essa Mulher – Joyce/Ana Terra)
(Essa Mulher – Joyce/Ana Terra)
Aderivan
Albério.